Lê-lo-ei

Desde rebento já fazia escrever. E sempre sem desviar-se do objetivo. Às vezes com um gesto ou com um som, chamava a atenção, persuadia e alcança a meta, com plano traçado. Um choro, dos bem chorados, acordava os interessados e sempre os fazia entender, qualquer que fosse o querer. Hoje, em degrais Maslownianos mais altos, já não chora mais. Hoje faz rir e chorar. Quem escreve mais, chora menos. (é tudo ficção).

9.8.06

Jaruá das Caronas

Jaruá não é cidade grande mas tem mais táxis que são paulo. Todos os carros são táxis, mas não se cobra a viagem. Já é costume, desde a fundação do município, dar carona aos conhecidos e dependendo da situação até a desconhecidos. Délio é velho e sabe onde mete o nariz. Além das caronas que dá e recebe, "corre atrás" fazendo trabalhos de marcenaria numa pequena, porém organizada, oficina que montou com a ajuda do irmão Aurélio, ocupando a obsoleta área de lazer de sua humilde casa. O bairro é na entrada da cidade. De sua janela se vê o movimento da Rodovia Interestadual, único acesso decente a Jaruá e por onde passam muitas caronas. A idade já não preocupa Délio e os filhos, todos criados, já têm suas próprias famílias. O irmão, preferido da família e considerado o mais bem sucedido entre os dois, cria uma variedade de caramujos comestíveis e abastece restaurantes das grandes capitais. Essa é a vida que Délio quer esquecer. Seu carro parou de funcionar. Saiu dirigindo sem planejar, incentivado por uma briga com Delma, esposa e freqüente carrasco. Aquele dia, não deu carona. - Acabou a porra da gasolina. Merda. Fazia calor na beira da estrada de chão batido onde Délio se encontrava perdido. Ele suava muito. Sempre suou. Seus olhos transpareciam o desespero de não saber nem pelo que sofria. Indignado resolveu continuar sua fuga sem rumo a pé. A poeira de outros veículos subia e dificultava a respiração, já falha pelos longos anos de cigarro e sedentárismo. A primeira lágrima rolou seu rosto sofrido e caiu, derrubando-o no chão. O choro parecia incontrolável. O tempo já não passava e o sofrimento corroia Délio até a alma. Ele nunca conseguiu estar feliz. Nem por um curto instante. Só fazia pensar sobre como tudo poderia ser melhor se fosse diferente. E a causa desse sofrimento era, para ele, uma só: - Maldita carona. Por que as pessoas têm que ser tão boas. Que vão ao inferno. Délio sentiu-se impotente ao lembrar os caminhos que poderia ter seguido, as viagens que poderia ter desfrutado, os tropeços que deveria ter vivido, não fossem as malditas caronas. Ali, diante do tágico limiar de seus dias, gritou irritado: - Cheguei ao fim, de carona na vida de outro infeliz. Sábio, não voltou mais para casa. Tornou-se apenas mais um assunto entre as amenidades discutidas nas caronas de Jaruá.