Lê-lo-ei

Desde rebento já fazia escrever. E sempre sem desviar-se do objetivo. Às vezes com um gesto ou com um som, chamava a atenção, persuadia e alcança a meta, com plano traçado. Um choro, dos bem chorados, acordava os interessados e sempre os fazia entender, qualquer que fosse o querer. Hoje, em degrais Maslownianos mais altos, já não chora mais. Hoje faz rir e chorar. Quem escreve mais, chora menos. (é tudo ficção).

20.10.06

Sobre Ajudar

Dentro do banco. Caixas trabalhando concentrados, uns contando dinheiro, outros atendendo os poucos clientes que nem formavam fila. O segurança cohilava de olhos entre-abertos. A luz do fim da tarde entrava pela porta de vidro e formava sombras sutis de pessoas e latas de lixo, quase penumbras. Não fosse o som da enceradeira no andar superior, todo o barulho estaria reduzido ao bater de teclas dos computadores e os murmurinhos dos clientes. Ao fundo notava-se, demonstrando uma inquietação reveladora, um senhor de meia idade, cabelos grisalhos e trajes finos, suando muito na testa e no nariz. Ele fazia todo o tipo de movimentos que faz alguém com sérios problemas. Eu o notei, o vi entrando com 3 malas, imaginei-as vazias pela curva pendular que faziam na mão do homem. Enquanto aguardava a devolução das sacolas que tinham sido entregues ao último caixa do bolcão, ele segurava uma delas na mão esquerda. A sacola já não tinha aspecto de vazia. Pesava de marcar a mão do indivíduo. A curiosidade me prendeu naqueles instantes, por horas. Claro que nas sacolas não haveria de ter roupas sujas. Por favor, quem entra num banco para pegar roupas sujas? Mas, além de dinheiro, era a única coisa que eu conseguia pensar. Imaginei o time de futebol dos funcionários do banco jogando seus uniformes sujos num cesto, pensei até nas roupas dos faxineiros do prédio. O Banco ficava no primeiro andar de um prédio, uma bela e moderna construção no centro da cidade, entre outros prédios tão belos e modernos. Eu lá, sentado na espera pelo meu gerente de contas, no térreo daquela obra moderna, pensando em uniformes sujos e grandes quantias em dinhero. Eu, com toda aquela grana, ia comprar uniformes novos para todos os times de futebol de favela da cidade e ficar com o que sobrasse para meus uniformes. Mas o que vale falar mesmo é de como as pessoas pedem ajuda de formas diferentes. O homem suado, me olhava fixamente enquanto esperava o atendimento. E cada vez que eu correpondia o olhar ele suava mais. Parecer querer me contar o que tinha na sacola. Será que ele percebeu minha agitação curiosa sobre o conteúdo de suas preciosas bolsas? Não sei, mas ele me percebeu. Fingi não vê-lo por alguns segundos, quase um minuto e quando eu voltei meu olhar a ele, estava lá imóvel, ainda me olhando. Como sou de iniciativa resolvi andar até ele, mas faltou coragem de encará-lo de perto e fui até o cafézinho. Enchi o copo, dei uns dois goles e segui, ainda relutante, o restante do caminho que nos separava.
- Olá senhor, posso ajudá-lo a carregar as sacolas? - Perguntei de repente.
- Claro que sim, era exatamente isso que eu estava pensando quando percebi você ali sentado aguardando. Não sabia se ia conseguir levá-las até o carro sem ajuda, já estava preocupado.
Precisei de alguns segundos para rir de mim mesmo, sobre como não me importava saber o conteúdo das sacolas para ajudá-lo e sobre como é difícil saber quando alguém quer sua ajuda. Eu tenho medo, às vezes, de parecer irritante oferecendo ajuda toda vez que penso que alguém precisa dela. Ainda não sei lidar com isso, mas estou aprendendo a não ficar pensando muito. Fazer mais e pensar menos. É assim que se vive o agora, mesmo na fila do banco.