Sobre um José
O vento frio e úmido corroia as partes sucateadas e despedaçadas da velha maria-fumaça, que era assim, carinhosamente chamada por seu fiéis passageiros. Passageiros que em maioria não estavam de passagem.
Apesar das condições gerais da máquina, era fácil entender o porquê da permanência inerte.
Os mais cômodos dos vagões estavam sempre lotados. Cômodo, aconchegante.
José, o miterioso, era um destes personagens imóveis, cujos olhos e apenas os olhos acompanhavam os vultos a passar lá fora. Calado e bem vestido, José demonstrava inquietação em seu semblante pálido e engrossado pela dúvida.
Passavam estações e os vagões pareciam encher-se cada vez mais de indivíduos como José, duvidosos porém bem-vindos, acomodados. Passa mais uma estação, o trêm pára, e como das outras vezes josé observa imóvel o movimento de transeuntes a lutar por um espaço nos vagões viajantes. Mas dessa vez, ao apitar do primeiro sinal de partida, José vê algo que o deixa perplexo, atônito. Um homem qualquer, um que poderia inclusive ser ele próprio, salta na estação. A partir daí o movimento se torna cada vez mais freqüente. Homens, mulheres e crianças. Salta gente inclusive com o trêm em movimento, até longe de estações.
Os saltos tornaram-se tão repetitivos que José já voltara à sua usual inércia. Inércia essa que não teria sido mais abalada não fosse o embarque de uma figura que José reconhecera. Era um homem, o qual José notara pular tempos atrás.
Houve então algo inusitado: José falou! E falou alto.
- Que faz em nosso trêm, aventureiro? Pulaste e voltaste?
- Pulei, vivi, voltei de carona, logo pularei novamente.
E José, pensativo, volta ao seu lugar de sempre.
Mais algum tempo antes do homem se prepara para seu próximo salto, mas antes que o fizeste, vira para trás e diz:
- Pula José, corra para a vida, caia, suje-se, saia. Só não deixe a máquina te levar para o ponto final sem conhecer a linha.
E pulou, e morreu.

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